sábado, 15 de setembro de 2012

TRÊS CANCELAS (pórtico manguearmorial)

Vaqueiro - E. B. Brito




Graciliano


As palavras que nomeiam esse emblemático itinerário de retirante não saíram apenas de mim. Por meus olhos, pelos meus ouvidos, por todos os meus sentidos ecoam e fluem os sons de outras palavras, vistas, ouvidas e lidas.


Muito jovem ainda, vi um filme nacionalíssimo: Vidas Secas.
Esse filme impregnou minhalma de menino urbano com a luz enceguecente e árida dos sertões.
Desde essa época, aquelas imagens de uma família sertaneja fugindo da estiagem por leitos secos de rios, tendo por plano de fundo os mandacarus solitários no horizonte, se tornariam signos, arquétipos, clichês abrasados (ou brasões?), no que há de coletivo em meu inconsciente. E logo compreendi que aqueles clichês simbólicos seriam, na minha arte, recriados pela perspectiva de minhas palavras. Graciliano descreve um juázeiro latejando ao sol da tardinha: um clichê. As queixadas de animais mortos na seca: clichês. Clichês eternizados pelas xilogravuras, cerâmicas, emboladas, cordéis e, romances. Obras de arte que se tornaram verdadeiras marcas, registradas em nossas retinas, em nossa memória.


Cavalo Doido - E. B. Brito

Ariano


Essas marcas, e não só as marcas de ferrar bois, é que seriam entendidas, pelo espírito arguto do romancista Ariano Suassuna, como símbolos de uma heráldica sertaneja; como expressões armoriais do universo nordestino. Seriam os emblemas e brasões do Quinto Império, surgido de um sebastianismo lusófono, em que o território da pátria é a própria língua, como queria Bernardo Soares (Fernando Pessoa). Creio nisto, pois o Quinto Império consiste de uma comunidade supranacional de língua portuguesa, revel à ânsia globalizante de devorar a alma da nação, sua cultura popular. Contra esse monstro globalizador temos a força visceral da Língua, última flor neo-latina, inculta e bela. A pátria é antes de tudo uma forma habitual de convivência, daí entendermos por língua pátria todo o arsenal de cultura, usos e costumes descritos e guardados por ela. As palavras são usos, como dizia Ortega y Gasset. E os signos armoriais entrevistos nas marcas de ferrar bois pelo arguto Ariano Suassuna, fixam-se nos usos, na língua, da mesma maneira que os repentes, as emboladas, o côco da praia são todas fixados no código imenso da língua falada, na pátria intra-histórica do idioma.



Caranguejo - E. B. Brito

Francisco


Mas não há como esquecer de outro poeta, espírito iluminado e breve como um relâmpago sobre a maré de agosto: Chico Science. Esse artista também captou os sons e as imagens dessa terra e criou revolucionários brasões poético-musicais. E não é à toa que quero citá-lo ao lado de Ariano. Quero aqui aproximar as idéias desses dois artistas geniais. A diferença é que Chico captou outra geografia, a da fome ribeirinha, clichê firmado por Josué de Castro. E registrou uma heráldica radicalmente nova e alumiosa. Quase que digo que Chico era o Prinspe Alumioso, feito aquele da Pedra do Reino, e que irá voltar para fundar um Quinto Império manguebeat. A ausência do Science deixa uma saudade messiânica que pode gerar na cena mangue uma espécie de neo-sebastianismo litorâneo. Isto porque Chico trazia um dizer p(r)o(f)ético e missionário. Seu clichê era cósmico: da lama ao caos! Era, em verdade, um Prinspe fulgurante que nos arrebatava com suas misturas de ritmos, com suas palavras apocalípticas, inspirado nas antevisões do Josué.

Pois, no pórtico dessa obra, em que busco uma mitopoética manguearmorial, venho saudar a fusão das artes desses três mestres, Graciliano, Ariano e Chico Science. Tentarei captar, do inconsciente coletivo, os signos que façam o encontro do sertão com o mangue, por seus ritmos, seus cheiros, sua flora e sua fauna, e, principalmente, pelas palavras mestiças dos descendentes de Canudos, que, egressos do semi-árido, habitam as margens dos rios poluídos dessas cidades, irmãs das pedras que seguram o mar...





Emanuel Bezerra de Brito


Emanuel 
 
o artista cearense Emanuel Bezerra de Brito assinará as ilustrações do blogue.
E Eurico, esse humilde escrevinhador, assinará os textos e poemas.
 
Haja Deus!